quarta-feira, dezembro 27, 2006

chocolate?


o bom do Bis não é o chocolate, mas a bolachinha. feliz ano novo!

quarta-feira, novembro 22, 2006

i (y).6/6.Vy

"Podemos dizer que duas vocações opostas se confrontam no campo da literatura através dos séculos: uma tende a fazer da linguagem um elemento sem peso, flutuando sobre as coisas como uma nuvem, ou melhor, como uma tênue pulverulência, ou, melhor ainda, como um campo de impulsos magnéticos; a outra tende a comunicar peso à linguagem, dar-lhe a espessura, a concreção das coisas, dos corpos, das sensações." Italo Calvino in Seis propostas para o próximo milênio

para agora selecionei dos trechos de duas missivas a mim enviadas por antigo amigo de Mococa/SP, Elias Coimbra (felicitações, amigo! e mande um abraço à Luzia e ao Getúlio, com saudades...), ambas de novembro de 2001, ano em que travamos conhecimento e fraternidade.

considero-as verdadeiros tratados de poética, contudo sejam ensaios de um pensador livre.

tais missivas foram escritas como comentários sobre um poema meu, labutado naquele mesmo ano, e prestam para além: como esteio (ou a antítese disto, como será visto) para o trabalho do poeta, em primeiro lugar, e do artista, em alguma instância.

seu título - o do poema - é o mesmo arranjado no alto desta postagem. segue à ordem: primeiro, o dito cujo, matéria dos esforços interpretativos do Elias; depois, os comentários suscitados por ele.


a imaginação procura vulto

a imaginação procura vulto
rebentada num rosto bem senil
a imaginação procura vulto
na vã caminhada dum corpo vil
por desfigurada noite imprópria
a imaginação procura vulto
nas alamedas prenhes sob carril
de lã calada e oferta sóbria
de outros corpos quentes, mas hostis
a imaginação procura vulto
flagrada em si mesma flanco e quadril
empenhada na busca que ignora
malgrado o valor que outro corpo diz
entende o legado ser rés basta
a imaginação procura vulto
em qualquer circunstância ou ardil
que lhe arda no peito tal penhora
sem mesmo justifique sito azis
ou melhora em alta e longa casta
signifique estar além de si, só
a imaginação procura vulto
escolhendo o que restou um em mil.
pede fato pós fato a memória
fale em prol duma mulher meretriz
que, quando perto, tembém se afasta
cuja falta faz revelar um nó
preenchendo o ser naquilo que preza.
pretende a falta rogar a reza
qual meia poça d'água feita pó.
quer pagar preço que não se gasta
por fêmea vária cuja voz desdiz
ao tal homem sua parva glória
injusta fere-o no cio vil:
"a imaginação procura vulto..."
não entende o homem sua dó
e permanece fera em sua pasta
guardando a si sorver sabor aniz
após entrave de meia hora
e vestindo a roupa qual a um barril
a imaginação procura vulto
e quando de volta, só, em vasta hora
caminhando o espaço tacanho e gris
persuade-se a si de estória
menos perversa. com aspecto sadio
a imaginação procura vulto
voltando mais vez castro de feliz
imanta o furo vazo que implora
driblando fome e sede de mandril
a imaginação procura vulto
ao arranjo de outra coisa fora
lembrando dar paga ao senhorio
a imaginação procura vulto
sempre protegida num "ão" sem til
a imaginação procura vulto
a imaginaçao procura vult...

carta 1: "(...) A poesia é nosso cotidiano espanto, nosso segundo de angústia entre dois outros de efemeridade. Nos custa poetizar - o amor, a vida mesmo - contudo continuamos. Não sei bem porque, mas acho que está relacionado àquilo que você me dizia da expressão do desejo: a poesia seria esta expressão, mais elaborada.

"Mas falemos do seu poema. Em primeiro lugar, tenha consigo que este meio eleito para compor tal trabalho não é dos mais ortodoxos. Digo, esta (ainda) não é a forma sobre a qual desce esta entidade descomunal, enfim reduzida a poucos e rudes versos, a poesia; que difere do poema. É preciso ter em mente que não temos controle sobre ela (a poesia), apenas e talvez sobre o poema. Ele pode estar vazio se falharmos na tentativa de represar umas poucas gotas que seja, daquela 'intempérie'. Ademais, seu poema segue, estranhamente, o padrão dos outros - o estranho é a desumanidade que há naquilo que escreve, a frieza -; mas não quero com isso afirmar que você conseguiu fazer poesia, ortogonalmente, - e também não digo que o que escreveu não seja de todo poesia. E não há contradição nisto tudo, simplesmente porque poesia não é lógica - percebe então a ineficácia do meio que empregou? Absurdo é explicar abstratamente o Sol, por exemplo, ou o céu. Este é, contudo, nosso sistema de pensamento clássico: lá está o sol, ou seja uma bola de hélio e hidrogênio cuja massa é... Cuja uma pinóia!, ou seja, o caralho! É tudo uma grande tolice. Só a poesia não constrange o Sol a se parecer com aquilo que está escrito nos livros de física. A poesia não representa o Sol, e sim o apresenta: aqui, eis o Sol! Sol, este é Rodegarius! "Prazer". Rodegarius, este é o Sol! A poesia é o reino onde nomear é ser; e possuir uma descrição é como está-la. E, tendo no princípio, as coisas, apenas essência, só depois receberam utilidade, a poesia olha-as antes de vê-las. Porque ver é uma atitude intelectual; olhar, basta ter olho - um rio pode olhar, por exemplo.
"Creio que há uma possibilidade enorme de sua poesia alcançar parâmetros reais. Eu não tenho insights como os teus; então escrevo prosa, onde, sendo linear, a linguagem não reserva tantas surpresas. Mas antes proponho que você repudie a razão. Só para exemplificar, vi na última segunda-feira uma entrevista com o Ferreira Gullar no Roda Viva. Entre muitas outras coisas que ele disse - algumas eu já esperava, outras foram surpreendentes - uma chamou demais a atenção; é tal: lhe perguntaram se, entre as coisas que João Cabral de Melo Neto lhe disse, pois eram muito amigos, alguma vez ele houvesse afirmado que fazia poesia segundo uma fórmula algébrica, e qual era ela; posto que João Cabral sempre disse que assim havia. A isto, F. Gullar disse, simplesmente: "Se João Cabral escrevesse a poesia que afirma que escreve, seria um péssimo poeta; mas, felizmente, ele é só um ótimo mentiroso". Então é de se pensar que nem alguém como João Cabral (...) escrevia conscientemente. Talvez você seja o poeta do extremo, mas e se não for? (...) Aí teria que largar o esquadro e o compasso para se arrepender muitas vezes de tê-lo feito. (...)
"(...) sem falar na semelhança atmosférica do contexto com a Máquina do Mundo. Mas, penso, seu poema trás-nos a máquina humana, sem transcendência, porém que não se resolve em si, mas no 'outro' - a tal: alteridade."
carta 2: "Continuando a falar de música, você poderia se lembrar que sou apaixonado por vanguarda e pensar que esqueci de mencionar os renovadores Schöenberg, Stockhausen, Cage etc. O fato é que esta é a segunda parte da história. Disse-lhe a pouco que adorava Mozart e Beethoven porque suas músicas provocavam uma sensação bem agradável em mim. Sempre afirmei isto e, certa vez, uma grande amiga que tive disse-me que eu precisava ouvir Schöenberg. Aceitei o desafio, pois sabia que ele havia inventado a música Dodecafônica, da qual eu só conhecia uma breve descrição abstrata. Ao entregar a ela o CD, ela percebeu em mim algo estranho, eu jamais recuaria diante de uma obra de arte - mesmo que visse um quadro abstrato, eu teria algo a dizer - mas naquele momento eu estava indeciso. Veio a pergunta fatal, ela; 'e aí, o que achou?' - tive de ser franco: 'não gostei!'. Ela se sentiu vitoriosa. (...) A moral disso tudo é a seguinte: a Ehrklärte Nacht do Schöenberg era a explicação lógico-formal para uma maneira nova de fazer música (por isso dizer-se que não existe harmonia schoenberguiana e armonia mozartiana, pois harmonia era uma coisa que Schöenberg eliminou da música). O que ouvi era um algorítimo e não uma música. (...)
"Aqui em Mococa há aquele maestro: o Coelho de Moraes. Conversei com ele acerca da música dodecafônica e descobri que esta não é a mesma coisa que a atonal. Ele disse ainda que Schöenberg não eliminou a harmonia e sim a melodia e que a melodia, até por uma questão histórica, é a própria música. Deu na mesma: aquela música não é exatamente música - por acaso não se diz que os alemães jogam algo parecido com futebol, mas que dá certo?
"Na poesia (...) tenho mais certezas que na música. Sei por exemplo que a poesia concreta já era feita na Babilônia e que estrofes com o formato de pombos eram uma das especialidades dos poetas de Alexandria (...). Sei que o Romantismo destruiu o rigor estético e que os diversos modernismos (...) reinventaram-no. Sei que Mallarmé fazia uma poesia concreta na forma, mas simbolista no conteúdo. E sei que você está tentando aplicar um método científico inidôneo à poesia, numa apologia cega - me perdoe a dureza necessária - ao estruturalismo.
"Descartes deu ao racionalismo sua feição moderna, com a criação do pensamento dedutivo (...). Me parece - talvez me engane - que você está dando mesmo tratamento à poesia. Porém, afirmo a você, com toda força de caráter, que a poesia não é sempre invisível. Aliás, não interessa saber o que ela é e muito menos como e porque ela reage ao mundo dito sensível. Ela é uma expressão em si, como a música. Você dizia a pouco que a poesia é um fim em si mesmo, mas concordo.
" - 'percebe o que disse acima, que concordo, muito embora concorde. E, agora, este parágrafo, como se lhe falasse diretamente' - "
"Poesia, então, não é nem uma coisa, é outra. Eu dizia na outra carta que, para você aperfeiçoar sua técnica, seria necessário seguir um caminho certo - mesmo que você desse um passo para trás, o desse na direção certa. Eu talvez esteja errado e você certo; talvez os dois estejamos certos; talvez ambos errados. O que sei é que vamos continuar a fazer poesia, cada um a seu modo e conseguiremos fazer a mesma coisa de maneira extremamente distinta - daí emana a inutilidade destas nossas cartas: que são também poesia, pois somos poetas."

terça-feira, novembro 21, 2006

fibonaccico

um grande amigo, que considero como a um irmão - o único que tenho -, trabalhou durante certo período de sua vida uma estrutura poética já antes labutada por muçulmanos e antigos cristãos: o Fibonaccico. consiste em uma fómula determinada pelo número áureo (1,683 - corrija-me irmão, caso isto seja um engano meu!) estabelecido por Fibonacci em época anterior à Pitagoras.

a versificação é bastante simples, à medida do que tento expôr: ao verso posterior soma-se a quantidade silábica do verso anterior, desse modo: o primeiro verso compõe-se de uma sílaba; o segundo já é composto de duas (1+1); o terceiro, de três (2+1); o quarto, de cinco sílabas (3+2); o quinto verso, de oito sílabas (5+3); o sexto verso, de treze (8+5); e, por último, o sétimo, composto de 21 sílabas (13+8). desconsidera-se a sílaba tônica como unidade métrica.

segue exemplo, rasteiro porque meu, e não do meu irmão.

quer
o meu
cobertor
proteger tudo
o que tem abaixo de si;
quer me esconder de pensamentos ardis, pois
à noite, no só do quarto, é difícil fingir que monstros não existem.

outro exemplo, desta vez um pouco menos ortodoxo.

sim.
ouvi:
barulho?
está chovendo.
logo cairá cá em nós...
água mole, pedra dura: fura a pedra!
arde pa arufa rudar, de pelo mau gá - a ugá; a ugá, ugá!

cortázar x dalton trevis

um troço brilhante apareceu no meu quarto enquanto dormia e antes que me assustasse, me disse "concedo-te a graça de escolher entre um e outro: Julio Cortázar ou Dalton Trevisan... com qual queres te semelhar na escrita? escolhe e sê, assim tão logo o digas a mim". e fiquei entre um e outro, a graça do Dalton e a firmeza do Julio, a extensão do Julio e a concisão do Dalton, a simplicidade do Dalton e a alegoria do Julio, a excentricidade do Julio e a solidão do Dalton... passou... a voz tanto esperou que esqueceu a que veio e foi embora, acho. aí voltei a dormir. a mulher disse que foi sonho porque ela não viu nada nem ouviu. dia seguinte, então. agora penso se não foi mesmo melhor ter ficado do jeito que já estou, só isso, com os dois e com nenhum. fechei; mas se fosse Drummond...

aquário

quando o peixe o aquário olha
não o vemos e ele chora
ele muda e respira doutra forma
e nos olha de volta quando escolhe
e quando nos olha submerso
emerge um outro peixe
mais errático, até absorto
quem sabe: enfático? outro peixe
a deslindar o aquário, não o dele
a dizer que as formas são várias
de prisões enclausurantes
nenhuma delas ordinária
embora todas distorçam o de dentro
e digam que o fora
é a prisão do outro lado - lá dentro -
outro peixe aflora
não mais o que é visto agora
- apaziguado no vibramento aquático -
mas o que de dentro para fora
se diz singularmente isento.

amestrado

o que pode encontrar o homem
no vasculhar de uma vida vazia?

o que pode ele objetar? quando lembrarmo-lhe
aquele enígma tão insolúvel
aquela hora tão aguardada e inútil
que num espanto fez seu lance e passou

o que pode encontrar o homem
ao comparar sua vida com outra, repetida?

quando em casa e acoado
estiver esperando pela última hora prometida
afim de poder observar de longe sua herança
e notar que os pássaros comeram o trilho de pão...

onde poderá estar o homem
em cuja história esqueceu-se de si?

e de se seguir.

quinta-feira, novembro 16, 2006

da sessão autores incríveis os quais jamais li:

"Como um ancião grego que faz os mortos aparecerem e os vivos tremerem. Ou escrever como o Homem das Neves que vaga sozinho e descalço. Registrar a montanha, anotar o mar com ponta fina, como que traçando um molde para bordado. Escrever como o caixeiro-viajante russo que prossegue em seu caminho daqui até a China: encontrou uma cabana. Traçou um esboço. À tardinha olhou, à noite desenhou, antes da aurora terminou, se levantou. Pagou e continuou seu caminho ao romper do dia."
Como eu gostaria de escrever?, de Amós Oz in O mesmo mar
dois momentos de Jacques Rancière in Políticas da Escrita:

a) "A chave de um texto é, comumente, um corpo. Achar um corpo debaixo de letras, em letras, se chamava exegese, no tempo em que os doutores cristãos reconheciam nas histórias do Antigo Testamento outras tantas figuras do corpo por vir da encarnação do Verbo. Em nossa idade leiga chama-se a isso, habitualmente, de desmistificação ou, pura e simplesmente, de leitura."

b) "(...) o livro da religião, e em particular o da religião cristã, não é a parúsia de nenhum corpo de verdade. O corpo que o realiza é aquele que se apaga entre o abandono da cruz e a descoberta do túmulo vazio."

segunda-feira, novembro 13, 2006

a crítica elogiosa é um artefato bélico

o método crítico consiste em esquadrinhar e ampliar particularidades pertinentes à obra que se pretende artística. nisto os aspectos semiológicos de ordem variada (estruturais, estéticos, históricos, filosóficos, lingüísticos, estilísticos, exegéticos e mais) são apontados e comparados, medidos e qualificados de acordo com um determinado modo operatório da palavra sobre o artístico.

aí temos um pequeno problema a ressaltar, pois a obra que se pretende artística só nasce enquanto arte quando insta o olhar sobre si mesma, quando faz manifestar numa alteridade o ímpeto em interpretá-la e inaugurá-la esteticamente. antes disso o objeto artístico é somente trabalho pronto, às vezes nem isso.

a crítica elogiosa, mesmo que tente dignamente regimentar o maior número de capitulações possíveis acerca do objeto, já está embutida e abotoada à obra, de forma que as articulações que dela emerjam não possam ser consideradas propriamente críticas. pode-se dizer até que uma crítica desta natureza faça somente o ornamento da obra em questão, entendida já de saída, e sem qualquer debruçamento por parte do crítico, como "trabalho de arte".

a conseqüência pior, nos termos do modo crítico empenhado, é a mera utilização do pormenor estético, e só dele, para inventariar toda a gama correspondente aos outros aspectos pertinentes à verdadeira crítica.

daí a crítica elogiosa não poder jamais ser considerada um modelo consistente e confiável de articulação. o crítico de arte, ou aquele que se pretende crítico, perde seu precioso emprego literário com o olhar arbitrariamente contemplativo, estando enfiado pelos pés no fenômeno relacional artístico.

alguns poderiam dizer que o elogio da crítica seria uma outra espécie de objeto artístico, um outro tipo de obra de arte. eu, contudo, não diria tal coisa, pois ao nos lançarmos sintaticamente sobre qualquer obra, artística ou não, o objeto passa a ser tratado com dada organização, com tanto comércio e pulso, que não mais se mantém controlado ou controlável, passando também a ser introduzido em outro ambiente, não mais o original, mas um novo, com o qual o artísta talvez nem mantivesse contato anterior.

poderia ainda afirmar que a crítica elogiosa não se pretende nada para além de mera cópia da obra olhada. o belicismo registrado em tais intenções, que trabalham quase sempre no nível da "intimidade privilegiada" com a obra de arte, circunda mecanismos rasos de introspecção, tal qual exercícios de auto-análise ou confissões do foro íntimo. constituem mais o falseio e o desejo do suposto crítico em marcar na lábia o labor daquele que se propõe verdadeiramente a lançar óbito de outros prazeres para beneficiar a arte.

domingo, novembro 05, 2006

pássaro primitivo

não sou eu quem te observa
nem ninguém pra ser teu olho
se teus olhos vêem névoa
os meus vêem teu vôo

ou se o solo fosse abaixo
quando o pouso é estadia
todo o céu envolto em nada
é lugar e moradia.

que pássaro eterno plana
sobre as cabeças dos que te olham?
que retração ilógica emana
da plumagem que não vemos influir

sobre o vôo e te protege o corpo?
que lugar intuitivo ocupas
quando levantas teu sopro ancestral?
quando declamas o ar orgânico...

quando resolves ocupar o teu reinado...
limitas-te num ser completo
e em tua glória és secreto
tão secreto o teu pedido.

quarentena

houve um tempo em que meu filho ainda tinha 1 ano e meio. ele me pediu numa tardinha, voluntariosamente, para que lhe fizesse uma leitura de algum conto do Rubem Fonseca. logo achei que fosse para embalar-lhe o sono, então encontrei um curtinho, mas não muito, afim de dar o tempo certo para a dormida do rapazinho: escolhi O Inimigo.

lá pelas tantas, mal sucedido e entediado como serviço, o pequeno todo alerta perguntou-me se eu tinha medo de morrer, "pai, você tem medo de morrer?"; respondi que não, assim, num sem pulo, sem pensar, e o menino colou de novo, "eu morri duas vezes, pelo menos. quer ver mais uma?"

só sei que o negócio começou a ficar totalmente torto quando duvidei dele e o coloquei de castigo por 28 dias, sem água nem comida, absolutamente trancado no quarto sem luz, achando que tais medidas fossem resolver minha sensação de estupidez.

quando voltei para pedir desculpas (estava tomado pelo remorso) e tirá-lo da quarentena - porque o propósito era deixá-lo "pensar sobre o que fez" por umas cinco semanas - eu o encontrei lá, sentado, parado, durinho-da-silva, queném pedra, só que suspenso no ar. meu filho abriu lentamente os olhinhos desacostumados com a claridade vinda do corredor, e desceu bem devagarzinho, quase imperceptivelmente, até o chão. agachadinho no tapete úmido do quarto escuro aprecebeu-se de minha presença e disse, entre a brandura e a alegria, "viu só, pai, morri de novo!"

tranquilizado, eu o empoleirei nos meus braços e redargui que aquilo não era morrer, mas levitar. o pequeno, meio sonso ainda, concordou com um doce ah!, daqueles que resolvem qualquer parada entre amigos, e dormiu pesado no meu abraço.

terça-feira, outubro 31, 2006

só pra constar, um balanço de final de mês: agora são 54 graciosas Lupitas no meu espelho. perdas e ganhos: instalei o mercado negro de RBDs no trabalho. capitalismo selvagem...

da coleção particular de epígrafes:

"As mulheres não apanham alfinetes. Dizem que isso corta o am."
James Joyce in Ulisses

"E a mulher - sim -, a mulher, em verdade, como é? Olha-nos, provocadora, convidativa... E quando a agarramos, mal a apertamos contra nós fecha logo os olhos. É o sinal da sua submissão. O sinal com que diz ao homem: 'Fica cego; eu estou cega!'"
Luigi Pirandello in Seis personagens à procura de um autor

segunda-feira, outubro 30, 2006

nesta última semana assisti a dois filmes que me destruíram esteticamente: 9 Canções e Irreversível. nada tenho contra novas experiências estéticas e sou muito menos preconceituoso com cinema do que com qualquer outro tipo de expressão artística, mas no que toca a estas duas películas em especial devo tecer algumas considerações.

a primeira delas é sobre a câmera que fica ligada o tempo todo, técnica que no meu modo de ver a coisa dá muito mais ênfase à ilha de edição do que ao set. a câmera ligada inadvertidamente, muitas vezes sem ensaio de enquadramento, de luz ou de diálogos faz com que o inesperado surja na medida da paixão dos atores, diminuindo gravemente o papel do diretor. tanto faz se o elenco for grande ou pequeno, a impressão que fica é a de uma rodagem feita em um final de semana. neste caso, Irreversível (para quem não sabe ou não viu, é o filme em que a personagem da Monica Bellucci é estuprada e quase morta em um túnel de metrô) parece a exacerbação deste elemento, pois o diretor - que também foi câmera e editor, o que não o guarda desta crítica - limpa o filme digitalmente, retirando elementos desagradáveis das cenas gravadas, como sombras de pessoas do backstage ou luzes chapadas dos cenários escolhidos minutos antes das gravações. além disso foram acrescentados digitalmente tantos outros detalhes quantos foram necessários para horrorizar o espectador (a cena da cabeça amassada a golpes de extintor, na minha modesta opinião, é desnecessária). enfim, trabalho de edição. o mérito do filme consiste apenas em apresentar-nos o drama de trás para frente, o que não é nenhuma novidade em termos cinematográficos.

a segunda consideração é sobre a filosofia de botequim costurada em ambas as películas. o pior é a clara inabilidade do diretor Winterborg, de 9 Canções, em querer mostrar algum domínio reflexivo no que diz respeito a casais viverem experiências claustrofóbicas e agorafóbicas na cama, repetindo incançavelmente a metáfora das geleiras na Antártida. convenhamos: um pé-de-chinelo no saco! ele poderia se ater basicamente às apresentações ao vivo das bandas, e seria bem melhor se assim o fizesse.

claro que achei Irreversível muito mais impactante do que 9 Canções, por uma série de motivos: é preciso muita crueldade para fazer uma cena de violência com a Monica Bellucci; os movimentos de câmera são muito mais arrojados e vertiginosos, daí a necessidade de curar as cenas digitalmente; o argumento é muito mais fatal e não beira a grosseria, como em 9 Canções, que por sua vez possui um argumento bastante simplório; e, por último, mundo-cão é mundo-cão, sem pseudosofia burguesa nem nada... quando tem que matar, mata-se, e só... a violência é plenamente justificada, sem gratuidade apesar de exagerada... sei lá, nunca namorei uma mulher que tivesse sido estuprada, daí não sei se faria o mesmo. só sei que não dá pra negar nossa porção animal depois de um ataque tão massivo à nossa integridade.

quarta-feira, outubro 25, 2006

segundo Saul Bellow, escritor americano e judeu, as mulheres possuem tantas e tão grandes carências que se um homem se preocupar em suprí-las certamente enlouquecerá.

daí pensei em fazer uma listinha que me ajudasse na escolha de mulheres menos problemáticas, que fossem companheiras, solidárias, gostosas, boas de cama e tudo o mais que me fosse agradável. é claro que as espectativas frente a uma mulher podem mudar da água para o vinho num minuto, o que fará mudar pontos da lista. eu mesmo já a alterei inúmeras vezes. por isso é de extrema importância manter-se fiel as prioridades do momento enquanto se estiver abordando uma determinada garota.

a listinha, a qual batizei de Good Fella, é simples, composta de 10 pontos que devem ser minuciosamente observados no contato com a fêmea em questão, e tem a finalidade de me manter precavido contra percalços com o sexo oposto.

logicamente cada um poderá desenvolver sua própria listinha Good Fella, desde que esteja de acordo com suas necessidades e prioridades. para começar prefira as mulheres que:

a) tenham pelo menos 1 filho - elas não quererão tê-los novamente com outro homem. neste caso, se ela estiver em fase de aleitamento já não vale, porque a fêmea não terá tempo pra mais nada além de amamentar.

b) já foram casadas - elas não alimentam mais qualquer esperança ou desejo de encontrar o príncipe encantado.

c) sejam mais velhas do que você - com certeza elas terão um instinto protetor mais desenvolvido, o que as farão gastar mais energia procurando preservar o homem delas da aproximação de rivais, ao invés de ficarem só preocupadas consigo mesmas nas rodas de boteco (eu tinha em mente algo sobre elas seduzirem seus amigos, mas isso é inevitável: acontece com todas, independentemente da idade).

d) bebam uísque - elas são mais divertidas e não ficam preocupadas se o homem delas está exagerando no álcool ou não.

e) gostam de ler - elas terão algum assunto interessante no meio de tanta bobagem que falam.

estas são as cinco principais características da mulher moderna. tanto faz se ela tem grana ou não, se ela raspa o sovaco ou não, se ela troca a calcinha todos os dias ou não. daqui pra frente serão questões de cunho puramente psicológico, que nada dirão a respeito do homem delas.

f) encontre as que também curtem sair com as amigas - elas não precisam te chamar pra pagar o maior mico numa pista de dança; ela também terá um lugar só dela para reclamar do relacionamento.

g) desista das psicólogas e das psiquiatras - elas se acham as donas do mundo e sempre estão com a verdade no meio da vagina delas; o inferno está cheio dessas mulheres. vai por mim: experiência própria.

h) goste mais das que não sabem mentir - assim, se ela te trair, você logo perceberá; depois fica mais fácil fingir que você não está sabendo de nada, enrolá-la mais um tempo e dar um desfecho menos desfavorável a si mesmo. é fato: na maioria das separações em que a mulher dá o lance, ela fará de tudo para depreciar o ex.

i) prefira as que não gostam de assistir programas de entrevistas com outras mulheres - desse modo você se livra daquela onda de ideologia feminina impregnando sua casa diariamente.

j) prefira as que fogem da dieta aos domingos, pelo menos à noite - assim você terá sempre um belo pedaço de pizza geladinho no café da manhã de segunda-feira.

aí está a minha listinha Good Fella. tomara que o método sirva para outro homem além de mim.

terça-feira, outubro 24, 2006

olha... só sei que ontem foi foda. toda a organização do dia foi pelos ares e, no fim, postei uma puta mensagem que falhou na hora de mandar. e eu tô puto também.

eu queria escrever alguma coisa para a mulher que amo atualmente, a mulher a quem já devo tanto pelo bem que me fez e a quem tenho dado tão pouca atenção ultimamente. nós sabemos, eu e ela, que ela precisa e merece muito mais do que tem obtido de mim nestas semanas. ontem poderia ser o momento adequado para me apressar em consertar as coisas, mas não foi o que aconteceu.

minha ex-mulher, a segunda em um período de seis anos, surgiu em minha casa repentinamente, afobadíssima, no início da manhã. o caso era realmente para correria: nosso filhinho de três anos precisava de atendimento médico urgente. ele apresentava novamente os sintomas de uma patologia que havia sido tratada a pouco tempo, pegando a todos nós de surpresa. dali em diante ficamos percorrendo ambulatórios públicos, escritórios de convênios, consultórios particulares, para finalmente terminarmos o dia em uma sala de raio-x, onde tudo pareceu se normalizar.

durante o dia, entre uma parada e outra, eu escrevia umas linhas do que me vinha à cabeça. nada que fosse tão pauleira quanto a própria ocasião, mas certamente afetada por ela. digamos que eu tenha sentido uma leve necessidade de fuga (ou de prazer também, por quê não?) diante da adversidade.

- a liberdade e o amor são indivisíveis, atômicos, embora suas naturezas não se confundam entre si. acredito que devamos nos habituar à idéia de que ambos são raros e estão atrelados à novidade. ninguém minimamente saudável ama o passado ao preço de renegar o próprio futuro, assim como se crê que o melhor ainda está por vir.

corre-se o risco de ser pedante ou ignorante ao falar sobre amor ou liberdade, ainda mais hoje em dia, numa época em que conceitualizar as coisas ficou completamente fora de moda. mas agora não me importo.

a vontade de estar agarrado à pessoa amada é um exercício de desmistificação do outro, um processo que avança independentemente da vontade daquele que ama. no fim, o que ama é quem pode vir a encontrar alguma autonomia, a chamada liberdade crítica, frente ao objeto amado.

às vezes falta-nos maturidade para percebermos isto e frequentemente misturamos a mesma sensação com o sentimento de desamor. perdemos parte do processo.

essa é uma das lições que Simone Weil apresentou nos ensaios de "Opressão e Liberdade", nos quais ela traça uma fina comparação entre a experiência amorosa particular e a resistência contra grandes instituições totalitárias, entre as quais o capitalismo liberal.

à moda da casa: a lutas contra o ciúme e contra a injustiça social são as mesmas, suas causas são as mesmas. o ciúme ataca não a liberdade do outro, mas a sua própria à medida que a relação com o outro amado se transforma numa mescla de servilidade e despotismo. -

é claro que havia escrito estas coisas antes do dia acabar. e nem tudo que foi despejado é novo e fresco (automático, como queriam os surrealistas e os beats), existiam coisas bem ruminantes, praticamente já escritas na minha cabeça, apesar do arremate não me seduzir. faltou vocabulário... faltou atender ao rítmo do texto, fragmentá-lo com argumentos e, daí sim, acomodá-lo.

saída pela esquerda, Bionicão! (é... eu sou trintão, Geraldão...) de tudo isso e mais um pouco só sei que meu filho é a pessoa mais importante para mim, e não haveria de ser diferente. ontem à noite lembrei-me dos momentos que me fizeram ficar apaixonado por ele: de quando o vi pela primeira vez no berçário da maternidade, do medo que senti quando o peguei tão pequenino, e semanas depois, quando me senti finalmente humano, ao assistí-lo mastigar suas primeiras papinhas de frutas... essas coisas que jamais imaginei existirem antes, que poderiam ser até sufocantes não fosse a superação do meu temor, me fizeram reconhecer que a natureza no homem é maior do que tudo, maior do que a própria humanidade, e que ter um filho é dar vazão à responsabilidade do homem em fazer continuar o melhor da humanidade na natureza.

no meu caso, transmitir esta condição ao menos para o meu pequenino e, se possível, estendê-lo a mulher que amo. são realizações possíveis e são as coisas que ficam na vida.

quinta-feira, outubro 19, 2006

devo esta minha internação neste blog à autora do Nove de Copas, principalmente. a primeira sugestão foi dela, depois de um longo percurso de e-ms compartilhados, os quais ela chama de cartas. ainda prefiro o tradicional "missiva".

ao Nove de Copas meu muito obrigado! ainda o tenho como um modelo de sítio pessoal, por causa do seu percurso, da sua pequena história e, também, devido ao enorme cuidado que tem ao falar de pessoas. pra mim é próximo do perfeito.

aliás, me deixa rasgar mais um pouco de seda...: a sua mudança, após aquelas quase intermináveis semanas de afastamento, foi estupenda. parabéns! você parece uma borboleta nova que abriu asas.

terça-feira, outubro 17, 2006

meu coração bate por Lupitas tímidas e tenho várias delas enfileiradas na moldura do meu espelho, em casa. aquelas fotografias de cards dos RBDs chegaram às minhas mãos porcausa da criançada no trabalho. coqueluche pré-adolescente.

certa vez me perguntaram se aquilo era bom pra garotada. queriam minha opinião técnica. só pude responder que não havia juventude mais reacionária do que a dos Rebeldes. mentira, há sim, mas só falei aquilo pra ser esperto e desviar o assunto.

mas o que tange é que me apaixonei pela Guadalupita, a moreninha que quase nunca aparece na novelinha, e passei a colecionar as cartinhas de figuras, só dela. barganhei várias, furtei outras, todas das alicinhas de onze anos, fácil: "te dou um pacotinho fechado por essa Lupita" ou "confiscado por bagunçar demais no recreio"; em outros casos coagia as pequenas: "dá-me essa Lupita, já que não gosta dela". ou simplesmente passava a mão leve. tudo razoável.

obtive um discreto sucesso com o estratagema, colecionando ao todo 40 figurinhas da Maitê, a atriz que encarna a personagem da minha obsessão erótica. e estou satisfeito, satisfeitíssimo. o resultado também ficou muito bom: uma fileira horizontal de Lupitas no espelho locado acima do encosto da cama, junto à parede. devo dizer que a sensação de conforto foi verdadeiramente agradável.

não preciso legitimar a coisa com argumentos para sentí-la assim, aprazível, mas é uma questão de simples prazer que o faça: descrevê-la.

pode-se começar a fazer isso pelo conceito que a novelinha desenvolve, aproveitando a capacidade mexicana para dramatizar eventos muito simples, somadas ao conjunto sensual dos novos mangás for export. teremos lá um desfile de beldades masculinas e femininas em trajes escolares típicos europeus, amarfanhados e bonitinhos, beijando muito, trepando pouco (embora sugiram bastante), estudando e trabalhando menos ainda, cuidando das vidas uns dos outros como fossem vendedoras de boutique.

essa é a classificação conceitual e, nesse campo, qualquer menininha de tv pode povoar as necessidades eróticas de rapazinhos pré-concupiscentes.

mas o segundo ponto, o que quero abordar, é do da própria Lupita. um ponto muito mais pessoal. cada uma das meninas (e não são poucas) possui um fole específico de sedução. uma, por exemplo, é arrogante até o talo, o que atrai aos meninos submissos; outra é a sentimental, chamando para si os românticos; há uma que se acha feia e nunca está contente consigo mesma (e ela é a maior gostosa!), o que lhe garante a atenção daqueles que cumprem chegar nas mulheres com um grosseiro psicologismo, do tipo: "você tem coisas dentro de si muito especiais", "nas mulheres prefiro o charme" e "essa sua barriguinha é que me dá tesão".

a Lupita, por sua vez, é a que aparece pouco (e aí terei que declamá-la), daí o ineditismo. acho que ela atrai aos caras meio sufocados pelas mulheres, como eu... é sempre bom ter uma mulher que desaparece vez em quando, e aparece do mesmo jeito que partiu, de repente, porém sem alterar um pingo do seu estado emocional. é uma mulher nobre, que classifica o mundo em parâmetros não muito absolutos, nem tão obsoletos. uma mulher que parece dormir e acordar como tantas que conhecemos, normal, sem silicone ou coxas e bunda robustas, desprovida das feições de uma Zeta-Jones, por exemplo... a Lupita é uma pequena deusa em estado natural (pull-taqui-pariu!!, que brega) e ainda humana. a contradição é o espírito de um bom poema.

obviamente o cabelo liso e preto dela é composto à chapinha italiana, mas tudo bem. não nasci na Nova Zelândia, sou um cara normal também. certos prazeres femininos devem ser tolerados. e gosto de coisas normais. mais cinema que teatro, mais revista que jornal, mais pizza que fondue.

a empregada observou a fileira de Lupitas no espelho e acabou me pedindo uma, para a filha. saquei da gaveta do criado-mudo umas das repetidas e lhe dei, perguntando se era muito estranho que um homem barbado colecionasse aquelas figurinhas como qualquer adolescente. o negócio é que ela me respondeu de modo severo, contudo brilhante: "adolescente não brinca com mulher, ele só quer fazer aquilo que todo mundo sabe que ele quer com ela". e continuou: "seu problema é a moça que vem aqui ficar com você toda terça-feira e que não deve ser nada igual a menina da figurinha".

não sei se entendi bem o que ela queria dizer com "adolescente". não sei se ela se referia aos adolescentes de forma geral ou se ela disse abertamente que eu não cresci como devia. o fato foi que ela botou o dedo no meu tesão. e eu nem sabia que ela sabia da moça de terça... olhos de empregada.

segunda-feira, outubro 16, 2006

... uma outra hora começa.

dava pra ver, dava sim, conforme os pedidos e as insinuações dos amigos blogueiros, escritores, fotógrafos, poetas..., que esta hora chegaria. sem brilho nem nada, porque nada mais medíocre e estático do que um blog acessado por um pequeno grupo, ou por ninguém.

dava pra ver pela curiosidade.

talvez este será um blog só de textos, talvez não. talvez nada mais seja escrito nele. talvez outras coisas dele surjam.

se houver um leitor, por favor, não desanime com a linguagem de jacu.