houve um tempo em que meu filho ainda tinha 1 ano e meio. ele me pediu numa tardinha, voluntariosamente, para que lhe fizesse uma leitura de algum conto do Rubem Fonseca. logo achei que fosse para embalar-lhe o sono, então encontrei um curtinho, mas não muito, afim de dar o tempo certo para a dormida do rapazinho: escolhi O Inimigo.
lá pelas tantas, mal sucedido e entediado como serviço, o pequeno todo alerta perguntou-me se eu tinha medo de morrer, "pai, você tem medo de morrer?"; respondi que não, assim, num sem pulo, sem pensar, e o menino colou de novo, "eu morri duas vezes, pelo menos. quer ver mais uma?"
só sei que o negócio começou a ficar totalmente torto quando duvidei dele e o coloquei de castigo por 28 dias, sem água nem comida, absolutamente trancado no quarto sem luz, achando que tais medidas fossem resolver minha sensação de estupidez.
quando voltei para pedir desculpas (estava tomado pelo remorso) e tirá-lo da quarentena - porque o propósito era deixá-lo "pensar sobre o que fez" por umas cinco semanas - eu o encontrei lá, sentado, parado, durinho-da-silva, queném pedra, só que suspenso no ar. meu filho abriu lentamente os olhinhos desacostumados com a claridade vinda do corredor, e desceu bem devagarzinho, quase imperceptivelmente, até o chão. agachadinho no tapete úmido do quarto escuro aprecebeu-se de minha presença e disse, entre a brandura e a alegria, "viu só, pai, morri de novo!"
tranquilizado, eu o empoleirei nos meus braços e redargui que aquilo não era morrer, mas levitar. o pequeno, meio sonso ainda, concordou com um doce ah!, daqueles que resolvem qualquer parada entre amigos, e dormiu pesado no meu abraço.
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